A previsão de chuva intensa para o fim de semana não nos desengajou, depois de ter superado o medo-do-medo-de-altura e o medo da claustrofobia uma chuva não era de assustar. A trilha na ferrovia do trigo, localizada na serra do Rio Grande do Sul, era uma caminhada que vínhamos falando em fazer há um tempo. Um misto de natureza e exploração urbana, a caminhada segue os trilhos da ferrovia construída para escoar o trigo nos anos 1970, passando por túneis extensos e totalmente claustrofóbicos e pontes altíssimas, construídas para superar os vales dos afluentes do Rio Guaporé. Muito se falava sobre a dificuldade de andar entre os trilhos, tendo que aterrissar os pés entre dormentes e britas pontudas e soltas, mas me preocupava mais as sensações que os túneis e pontes teriam em mim. Agora, enquanto escrevo esse relato, meus pés e panturrilhas doem de uma forma totalmente nova na minha curta experiência em trekking, a trilha-sem-trilha, a trilha ausente cobrou seu preço sobre nossos corpos.
Como tínhamos apenas três dias para fazer a travessia, optamos por um trecho mais curto. Ao invés de percorrer de Guaporé à Muçum, completando pouco mais de 50km, optamos por entrar nos trilhos por Colombo – cidade que ninguém na redondeza conhecia – nos economizando cerca de 10 quilômetros.
Pegamos a estrada no sábado bem cedo, mas não tão cedo quanto o planejado, como sempre. Por volta das 7h30 estávamos saindo de Porto Alegre, animadxs, alimentadxs e ansiosxs. A distância até Muçum era cerca de 160km, mas nos perdemos duas vezes na estrada, e acabamos percorrendo quase 200km sendo uma parte em estrada de chão. Chegamos em Muçum pouco antes das onze da manhã, e dali pegaríamos um ônibus até Colombo, nosso plano de iniciar a caminhada entre 9 e 10 da manhã não tinha se concretizado.
– 4 passagens no próximo ônibus até Colombo, por favor.
– Onde?
Só ao meio-dia. Enquanto esperávamos, pedimos um lanche na lancheria da praça principal de Muçum. Pelo tamanho dos lanches e a velocidade que comemos, estávamos indo pra uma expedição de dez dias na mata 🙂 Chegou nosso ônibus, um pouco atrasado e saímos pingando de cidade em cidade, parada em parada, levando uma hora até a rótula de Colombo, onde o motorista nos deixou – muito à contragosto mesmo parecendo ser de praxe deixar as pessoas ali.
Cruzamos a estrada e demos play no GPS. Foi menos de um quilometro de estrada de chão passando por algumas casas rurais e cachorros de todos os tamanhos e formatos latindo e logo estávamos em um pequeno viaduto sobre o trilho. Cruzamos o viaduto admirando os trilhos que tanto havíamos lido sobre, fizemos o “retorno”, descendo o viaduto e entrando na ferrovia. Agora começavam a contar os quarenta quilometros e eram 13:30, nosso primeiro dia já estava pela metade.
Levou um tempo para acostumarmos com o ritmo da caminhada, acertar o pé metade no dormente do trilho e metade na brita requer prática e atenção. Caminhar sem olhar pra baixo é tarefa quase impossível nesse trekking. Não levou muito tempo para nos depararmos com o primeiro túnel, a placa em termos ferroviários dizia que a extensão era de pouco mais de 700 metros. E lá fomos nós, aos poucos a escuridão toma conta e em função das curvas não se enxerga a saída ou a entrada do túnel, resta só tentar racionalizar que sim, existe uma saída e oxigênio suficiente. Com a lanterna íamos iluminando o trilho, mas também as paredes em busca dos guarda-vidas, pequenas reentrâncias a cada tantos metros para nos protegermos caso o trem viesse. Mas não foi dessa vez, passamos o túnel, e seriam mais uns vinte desses pelo menos, todos com as mesmas sensações ainda que cada vez mais brandas.
Caminhamos bastante. Tínhamos planejado completar mais de vinte quilômetros nesse primeiro dia, mas com todos os atrasos estávamos felizes com os dezesseis que fechamos. Começamos a buscar um local para acampar o que não é tarefa muito fácil. Em muitos trechos a ferrovia foi escavada na montanha, restando dos dois lados paredões de pedra, em outros tantos a mata era bem densa, além disso, a chuva da semana tinha deixado o solo bastante encharcado. Caminhamos um tanto nessa busca e a luz do dia ia se esvaindo, acabamos achando uma pequena clareira na mata numa das beiras da ferrovia, mal couberam nossas duas barracas. A clareira era parte de uma trilha de água que descia a montanha, se a chuva prometida pro dia – que ainda não tinha vindo – viesse, seria um desastre. Depois da janta e uns goles de vinho, fomos para nossas barracas. O próximo dia tínhamos que iniciar cedo.
Continua…
Lindas as fotos
Já vi alguns relatos desse trekking, mas o teu é especialmente bom de ler. As fotos estão lindas.